Código de Trânsito Brasileiro comentado

Quando criei este blog, a idéia era comentar todos os artigos do Código de Trânsito Brasileiro, em ordem crescente, para posterior publicação como livro; entretanto, abandonei temporariamente o projeto, tendo em vista outras atividades profissionais. O blog continua no ar apenas para divulgação do meu trabalho, mas não está sendo atualizado. Acompanhem o blog www.transitoumaimagem100palavras.blogspot.com. Permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

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Mestre em Direito do Estado, pela PUC/SP, com Especialização em Direito público, na Escola Superior do Ministério Público de SP. Oficial da Polícia Militar do Estado de SP, tendo exercido diversas atividades relacionadas ao policiamento de trânsito, de 1996 a 2008. Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação em trânsito do CEAT - Centro de Estudos Avançados e Treinamento / Trânsito (www.ceatt.com.br) e Presidente da ABPTRAN - Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito (www.abptran.org).

quarta-feira, julho 12, 2006

Artigo 1º, § 2º

Artigo 1º, § 2º - O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.

Temos aqui um princípio que podemos denominar de “princípio da universalidade do direito ao trânsito seguro”, uma vez que cria um direito aplicável a todos, indistintamente, o que não significa, entretanto, que, por ser direito, não represente igualmente uma obrigação, pois a segurança do trânsito depende, logicamente, de uma participação de toda a sociedade, não sendo possível esperar que apenas os órgãos e entidades de trânsito se responsabilizem pela garantia a esse direito.

Assim é verdade que estabelece o artigo 28 do Código que “O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito”, demonstrando-se a preocupação do legislador, assim como em outros artigos, de impor a participação do usuário da via na garantia do trânsito seguro, chegando-se, até mesmo, a estabelecer uma regra para gradação da responsabilidade, nos termos do § 2º do artigo 29: “Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.”
Aliás, a redação do § 2º do artigo 1º do CTB nos remete à disposição constitucional que trata, justamente, da segurança pública, conforme previsão do artigo 144 da CF/88:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:...”
Vejam que o legislador constituinte, que deveria ter sido imitado neste aspecto pelo legislador de trânsito, preocupou-se em mencionar, expressamente, que, apesar de ser um direito, a segurança pública é de RESPONSABILIDADE de todos, o que referenda nossa opinião acima firmada.
Quanto às medidas a serem adotadas pelos órgãos e entidades de trânsito, no âmbito das respectivas competências, importa destacar que, de acordo com o artigo 19, inciso XII, do CTB, “Compete ao órgão máximo executivo de trânsito da União (DENATRAN) administrar fundo de âmbito nacional destinado à segurança e à educação de trânsito”.
Este Fundo, denominado FUNSET – Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito, é o responsável pelo custeio das despesas do DENATRAN, relativas à operacionalização da segurança e educação de trânsito, de acordo com o artigo 4º da Lei nº 9.602, de 21/01/98, e possui as seguintes fontes de recursos (conforme artigo 6º da mesma Lei):
- o percentual de cinco por cento do valor das multas de trânsito arrecadadas, a que se refere o parágrafo único do art. 320 do CTB;
- as dotações específicas consignadas na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais;
- as doações ou patrocínios de organismos ou entidades nacionais, internacionais ou estrangeiras, de pessoas físicas ou jurídicas nacionais ou estrangeiras;
- o produto da arrecadação de juros de mora e atualização monetária incidentes sobre o valor das multas no percentual previsto no inciso I deste artigo;
- o resultado das aplicações financeiras dos recursos;
- a reversão de saldos não aplicados;
- outras receitas que lhe forem atribuídas por lei.
Quanto ao percentual das multas de trânsito arrecadadas pelos órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários, prevê a Resolução do CONTRAN nº 10, de 23/01/98, que deve incidir sobre o total da arrecadação mensal e ser depositado na conta corrente do FUNSET até o quinto dia útil do mês subseqüente.

A segurança do trânsito é, indubitavelmente, a maior preocupação que norteia a aplicação do CTB, devendo-se lembrar que foram exatamente os índices alarmantes de acidentes automobilísticos e sua correspondente mortalidade que motivaram as mudanças na legislação de trânsito brasileira, de forma a trazer regras mais rigorosas para a relação homem x automóvel.

segunda-feira, julho 03, 2006

Artigo 1º, § 1º

Artigo 1º, § 1º - Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.

O conceito de trânsito, consignado no artigo 1º, § 1º, do CTB, é apresentado, de maneira mais sintética, no Anexo I do Código, segundo o qual trânsito é a “movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres”. Em ambas as definições, verificamos que, diferentemente do que muitos imaginam, trânsito não traduz apenas a idéia de movimento, mas abrange também a imobilização na via pública (lembrando que a adjetivação “pública” decorre dos comentários apresentados anteriormente, quando tratamos do caput do artigo 1º).
Comparando-se as duas definições apresentadas, se, por um lado, podemos equiparar as expressões “circulação” e “movimentação”, dando-se a idéia de uma utilização dinâmica das vias, a mesma equivalência não se aplica quando se trata do uso de maneira estática, de vez que o termo “imobilização”, utilizado no Anexo I, é mais abrangente do que as situações elencadas no § 1º do artigo 1º, começando-se pela impropriedade de somar a operação de carga ou descarga ao final do texto legal, pois esta se enquadra no conceito de estacionamento, por força do parágrafo único do artigo 47 do CTB e, portanto, representa acréscimo desnecessário:

Art. 47...
Parágrafo único -
A operação de carga ou descarga será regulamentada pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via e é considerada estacionamento.

Se analisarmos, portanto, as situações consideradas pelo Código como exemplos de imobilização e considerando-se incorporada a operação de carga ou descarga ao conceito de estacionamento, teremos as seguintes espécies do gênero imobilização:
1. Parada - imobilização do veículo com a finalidade e pelo tempo estritamente necessário para efetuar embarque ou desembarque de passageiros (Anexo I);
2. Estacionamento - imobilização de veículos por tempo superior ao necessário para embarque ou desembarque de passageiros (Anexo I);
3. Interrupção de marcha - imobilização do veículo para atender circunstância momentânea do trânsito (Anexo I); e
4. Imobilização temporária de emergência – não conceituada, mas prevista no artigo 46 do CTB, o qual obriga a imediata sinalização de advertência, na forma estabelecida pelo CONTRAN (atualmente prevista na Resolução nº 36/98).
Vejam que tais conceitos, a começar por suas redações, contemplam apenas a imobilização de VEÍCULOS, não havendo, na verdade, previsão no Código de Trânsito de situações que regulem a utilização estática da via pública por pessoas ou animais.
O Capítulo IV, que trata dos pedestres e condutores de veículos não motorizados, retrata, dos artigos 68 a 71, apenas a forma de utilização da via para CIRCULAÇÃO dos pedestres, fazendo uma única menção à PARADA (de forma genérica e não como sinônimo de embarque e desembarque, logicamente), quando proíbe a imobilização do pedestre sobre a pista, sem necessidade, uma vez iniciada sua travessia (artigo 69, III, b).
Quanto aos animais, embora a utilização das vias por eles esteja englobada no conceito de trânsito e, portanto, regulamentada pelo CTB, cabe ressaltar que, por razões óbvias, que impossibilitam a exigência de seu cumprimento por seres irracionais, as regras não se aplicam diretamente aos mesmos, mas sim aos seus responsáveis, o que fica claro quando verificamos o disposto no artigo 53, que obriga a condução dos animais por um guia, norma esta que se complementa com a medida administrativa capitulada no artigo 269, inciso X, de recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação (restituindo-se aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos).
Assim, feitas todas estas considerações, é de se preferir, para fins didáticos, o conceito de trânsito trazido pelo Anexo I do CTB, tendo em vista que as três formas de utilização da via, previstas no § 1º do artigo 1º, não atingem as pessoas e os animais, mas apenas os veículos, o que nos permite concluir, de maneira bem simplista, que trânsito significa, pura e simplesmente, “utilização da via pública” (não importa por quem, não importa para quê).